Saturday, September 15, 2007

um improviso de duas horas

TwinPeaks - Tudo caminhava em direcção a algo que não se sentia
Narag - silenciosos passos no chão de mármore despido
TwinPeaks - o vento cobria as costas como de um manto se tratasse
Narag - e os cabelos soltos, dedilhados
TwinPeaks - perdem-se no pensamento de uma vaga de solidão
Narag - as sombras revezavam o fulgor ígneo
TwinPeaks - olhaste, viste e perguntaste
Narag - com uma doce certeza espelhada nos olhos
TwinPeaks - és feliz?
Narag - Ainda não.
TwinPeaks - com a minha mão quente e gretada afago-te o cabelo
Narag - as ruínas dissolvem-se em cinza
TwinPeaks - quando naquela altura tudo era tão simples
Narag - os sonhos, as mágoas, a mera satisfação
TwinPeaks - damos por nós enrolados num turbilhão de emoções que nos arrastam
Narag - envoltos em aparentes telas de veludo
TwinPeaks - rasgadas por brasas outrora arrancadas aos nossos corações
Narag - encontramo-nos ligados, desfigurados como redemoinhos irados
TwinPeaks - que andam como que perdidos sem rumo nem sentido
Narag - mas presentes, vagueando
TwinPeaks - ouves? consegues ouvir? sentir? viver, respirar aquilo que não tenho para dizer?
Narag - clamas e eu não compreendo e somente rogo que me leves
TwinPeaks - sem condições, crendo apenas no teu ser
Narag - ferem-me saudades inesperadas e, até hoje, desconhecidas
TwinPeaks - e choro... choro sem saber porquê
Narag - e eu imploro indultos com sofreguidão
TwinPeaks - ao ritmo da trovoada, ao ritmo da chuva que lá fora cai
Narag - e no silêncio do interior o silêncio estagna
TwinPeaks - pára por um momento apenas e deixa a pressão te esmagar naquilo que és
Narag - deixa-te cercar por sulcos roucos
TwinPeaks - a água dos rios que corre pelos mesmos acolhe-te em seus braços
Narag - deixa-te reclinado sobre a relva sadia
TwinPeaks - respiras e esperas que te acolham
Narag - como o respirar do próprio mundo
TwinPeaks - o ar... o ar que falta... o ar... dá-me ... ar
Narag - e és liberto, liberto das amarras da gravidade, do solo, do espaço
TwinPeaks - sem saber como flutuo ao som das nuvens que passam por debaixo de mim
Narag - a tua presença dissipa-se no olhar vítreo; já cá não estás
TwinPeaks - por uma vez apenas, por uma voz apenas, por um sabor apenas..
Narag - nem o rumorejar do vento agreste, nem o arrastar das folhas quando o mundo repousa em tons de sépia
TwinPeaks - quem está? quem.... espera, consegues ouvir?
Narag - lanço sussuros que ecoam em vozes indistintas
TwinPeaks - os espiritos juntam-se em torno da fogueira contando histórias de lendas
Narag - o resfolgar crava mais profundas as fendas nos rostos
Narag - o resfolgar cava mais profundas as fendas nos rostos
TwinPeaks - por onde passam as lágrimas que espalham o som que nos faz vibrar
Narag - e se escondem as que hoje não serão descobertas
TwinPeaks - Consegues amar? perguntou-me
Narag - Consegues?
TwinPeaks - é doce o teu olhar, amargo o meu sabor, fujo à questão. Não sei responder
Narag - quanta ânsia me provocavam essas interrupções
TwinPeaks - sem saber o que fazer ou como reagir
Narag - desvanece-se a dimensão do tempo fundindo-se em fragmentos desunidos de ambos
TwinPeaks - ai, mas é tão bom quando se unem
Narag - numa luta emaranhada de memórias destituídas
TwinPeaks - que a pouco e pouco, cada vez mais se fazem presentes
Narag - e reaparece o entardecer ígneo
TwinPeaks - já se faz tarde e tudo o que se acreditava desvaneceu na penumbra de um dia perdido
Narag - como outros cinzelados nos memoriais pardos da recordação
TwinPeaks - apenas uma pedra que jaz no meio do nada
Narag - é todos os dias revivida como se de ávidos espectadores nos tratássemos
TwinPeaks - liga a tv, vê as noticias e de volta à vida cinzenta
Narag - funesta monotonia que nos consome
TwinPeaks - curiosa a mania de escurecer as coisas. No final tudo se resume a um beijo que tudo diz